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quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Censora inspirou tique de Sinhozinho Malta em "Roque Santeiro"

Tô certo ou tô errado?", dizia o pecuarista Sinhozinho Malta chacoalhando suas várias pulseiras de ouro na novela "Roque Santeiro", proibida de ir ao ar em 1975 e liberada somente dez anos depois pela censura. O cacoete, que virou bordão nacional em 1985, era usado pelo personagem para demonstrar sua autoridade, ou melhor, seu autoritarismo perante a sociedade de Asa Branca, cidade fictícia onde se passava a história. O gesto ligado à imposição de sua vontade não foi fruto do acaso, segundo disse um dos autores da trama, Aguinaldo Silva. O gesto foi "inspirado" em uma famosa censora, Solange Teixeira Hernandes, que foi diretora do Departamento de Censura a Diversões Públicas (DCDP) entre 1980 e 1984. Neste quarto episódio da série especial sobre censura às novelas, o autor relata o encontro um tanto surreal ocorrido entre os dois em Brasília, além de outros detalhes sobre essa novela, que foi um dos maiores sucessos da televisão brasileira ao fazer uma crítica à construção de mitos e o seu uso pelos poderosos para obter ganho econômico, alienar o povo e, assim, manter seu poder. Leia a entrevista: UOL – É sabido que os autores, atores e produtores da Globo tinham que ir a Brasília regularmente para pedir a liberação de cenas vetadas pela censura. Você foi muitas vezes? Aguinaldo Silva – A única vez que eu fui a Brasília foi por causa de um episódio da "Quarta Nobre" [programa extinto da TV Globo que exibia casos especiais]. O programa contava a história de uma família que tinha uma empregada a quem ninguém dava atenção. Ela era muito solitária, portanto, e acabava conversando o tempo todo com o gato. Quando o roteiro do episódio voltou, vimos que todas as cenas do gato haviam sido cortadas. O Boni me chamou e perguntou o que significava aquilo. Eu disse que não sabia e então formamos uma comissão que incluiu, além de mim, o Euclydes Marinho, o Doc Comparato, o Lauro César Muniz e mais algumas pessoas que eu não me lembro. E aconteceu uma coisa bizarra. O avião despressurizou e as máscaras não caíram, aí o piloto teve que pousar em uma cidade próxima a Brasília para que pudéssemos respirar. De lá fomos de carro para o encontro. Inclusive chegamos meio perturbados pelo incidente e todo aquele espírito de contestação que vinha conosco se escapou junto ao oxigênio do avião (risos). E como foi o encontro? A doutora Solange – eles todos adoravam ser chamados de "doutores" – nos recebeu em uma mesa grande e ela usava muitas pulseiras no braço. Ela obviamente se sentava à cabeceira e toda vez que perguntávamos o porquê de um corte, ela começava a responder e balançava as pulseiras, de uma maneira a distrair nossa atenção. Então, quando eu estava escrevendo "Roque Santeiro", coloquei esse cacoete no Sinhozinho Malta, exatamente nos momentos em que ele queria sublinhar sua autoridade perante os outros personagens. Então, embora muita gente reclame a "paternidade" desse gesto, fui eu quem o inventou pensando na "doutora" Solange. E a história do gato? Ah, sim! A história do gato... A gente estava lá, aí o Lauro pedia que eles reconsiderassem uma cena tal, o Boni discutia outra, e a doutora Solange sempre com aquela cordialidade intimidatória, sem nunca esquecer de balançar as pulseiras, claro, e eu ainda meio zonzo da despressurização. Aí uma hora eu respirei e falei: "Mas vocês cortaram o gato do meu especial!" Entreguei o roteiro a ela, ela olhou quem tinha assinado o laudo e mandou chamar a outra censora. Ela perguntou por que, afinal, as cenas do gato tinham sido cortadas. A censora virou e disse: "Ah, doutora Solange... Uma empregada falando com um gato? Aí tem!" Nos documentos de "Roque Santeiro", há muitos pedidos de cortes em cenas que insinuam que o personagem João Ligeiro [Maurício Mattar] era homossexual. No meio da trama, inclusive, ele morre. Foi a censura que mandou matar? De certa forma sim. Na sinopse original, o João Ligeiro era um homem que ficava grávido. O Dias Gomes, que é o criador da história e escreveu apenas os primeiros e os últimos capítulos da história, adorava esse tipo de personagem. Posteriormente se descobriria que ele era, na verdade, uma mulher que foi criada como homem...